Espetáculo macabro

Relatos de um Show de Horrores — Maio de 2019

Saiu pela porta da cafeteria para a calçada ampla do beco. Ainda tinha alguns minutos antes da ligação que estava combinada com uma cliente, mas sua ansiedade não o deixava tirar isso da cabeça. Caminhou pelo espaço estreito, da largura de duas pessoas andando lado a lado e, ainda assim, conseguiu esbarrar em uma senhora que estava andando na direção oposta. Se sentiu mais velho que a moça, um homem tomado pelo desastre, como se não fosse feito para se mover da forma correta. A senhora jazia estatelada e revoltada no chão, alheia aos seus devaneios. Percebeu, finalmente, a impotência da idosa, que devia beirar os setenta anos e, preenchido pela vergonha, a ajudou a se levantar. Reparou que ela usava roupas cor de rosa claro e possuía uma bolsa florida pendurada ao pescoço, peças estas agora um pouco manchadas da sujeira implacável do chão. 

 —Senhora, me desculpe, e—eu me distraí e…

Com a voz muito baixa e passando uma imagem dolorida a velha respondeu.

 —Me ajude, por favor, estou sentindo dor.

 —Minha nossa, perdão, eu não queria, eu, er… eu não fiz de propósito, me desculpe.

 —Sim, sim, eu entendo, jovem, mas me ajude a levantar, por favor —  A calma e compreensão que a senhora mostrava o surpreendeu  —  Não deve ser nada demais, só meus ossos que já não são mais os mesmos.

 — N—Não diga isso. Eu te ajudo, vamos.

Apoiou gentilmente um dos braços em suas costas, com o outro envolvendo sua cintura. Não precisou de muito esforço ao aplicar o puxão que se seguiu, já que a moça era bem leve. Caminhou com ela lentamente de volta até o café e a recostou em um banco acolchoado. Tudo parecia certo com ela, até notar que seu cotovelo direito estava sangrando bastante. Correu até a farmácia em uma viela próxima e comprou curativos. O tempo todo se sentiu muito culpado, se achando um idiota. Em poucos minutos estava de volta.

—Senhora, espero que não seja nada sério.

A moça riu.

 — Gente velha se machuca com muita facilidade, menino. Não tem idosos na sua família?

A resposta alegre foi reconfortante.

—Er, não, na verdade. Nunca conheci os meus avós e não tenho contato com meus pais. Eles não são idosos, na verdade, mas ainda assim são os parentes mais velhos que eu tenho. Desculpa, estou falando demais  — Terminou o curativo e checou mais uma vez se não havia mais lugares machucados  — Parece que foi só esse corte mesmo. Como se sente? Não deveria ver um médico? Quer que eu te leve ao hospital? Posso chamar uma ambulância.   —Estou bem, não se preocupe. Fico feliz que tenha me ajudado. Com o mundo do jeito que está eu acho que a maioria teria só ignorado e seguido o caminho.

 —Ah, não mesmo. Eu não conseguiria conviver com isso. E se fosse eu? Não, não, é importante pensar nas outras pessoas. E não teria acontecido se não fosse pela minha distração. Me desculpe, mais uma vez. Espero que não tenha atrapalhado seu dia.

—Que bom que ainda tem gente assim. E é bom se distrair um pouco. Se você focar demais em alguma coisa, depois não vai conseguir tirar da cabeça quando precisar. Eu estava indo comprar um presente novo para meu netinho, é aniversário dele hoje. Só vou encontrar com ele de noite, então tenho bastante tempo.   — Que bom então. Seu neto tem sorte por ter uma avó tão legal. Imagino se a minha não era assim também. 

Na confusão, viu que seus minutos de sobra escorriam por entre seus dedos, e chegava perto da hora marcada para a ligação, então se despediu. Saiu depressa beco a fora com o celular na mão. 

O beco terminava em uma avenida ampla e movimentada, formando um contraste engraçado entre os espaços fechado e aberto. Ali a cidade parecia não ter fim e o tempo corria irrefreável, quase que sendo guiado pelos carros velozes e trabalhadores apressados. Os sinais de trânsito se fecharam em simultâneo e começou a travessia. A correria da vida na cidade era como uma imposição, uma lei implícita que o obrigava a nunca estar realmente sozinho e, principalmente, a nunca permanecer estático. Quando parava para pensar nisso, normalmente concluía que esse sentimento era transmitido para si como que por osmose, ainda que seu escritório, onde passava boa parte do dia, ficava em uma parte relativamente mais calma da cidade, mais alguns minutos adiante. Recuperou a sobriedade enquanto terminava a travessia da avenida pela passarela alta e prosseguiu conforme ruas menores e prédios antigos o engoliam, estruturas estas que se aglomeravam e pareciam se fundir em riscos cinzentos e pesados, eventualmente cercando a famosa Praça dos Espelhos. A praça era grande e circular, e seu nome era devido a revestimentos de vidro que cobriam bancadas, pequenos pilares, mesas e partes do chão. Em certos períodos do dia o Sol incidia através dos prédios dispostos como monólitos que circundavam a praça, construindo reflexos que formavam um simulacro do ambiente ao redor. A beleza da Praça o deixava admirado e pensando se esses picos solares na verdade não eram um convite a um universo paralelo estéril e plástico para permear a realidade por alguns breves momentos e trazer uma pausa ao cotidiano incessante. Com esta expressão maravilhada passou pela praça, percorrendo seu diâmetro, mas com sua atenção sempre saltando para a ligação que estava por vir. A admiração não o deixou reparar no quão vazia a Praça estava para o horário. Ela era uma atração, um centro que puxava e prendia as pessoas com suas peculiaridades.

Entrou em uma última ruela curta, esperançoso por atender a ligação em seu escritório, que já não estava longe. Esta veio antes de chegar, no entanto, a poucas quadras de seu destino familiar e pacífico. Sentou em um banco e atendeu a chamada.

— Boa tarde, Senhora Carla.

 —Boa tarde, Kenan.

 —Sobre seu caso, creio que consegui as evidências que pediu. Alguns aspectos negligenciados do prédio antigo mostram claramente sinais de falta de manutenção na estrutura. Peço perdão por não ter retornado antes, mas não consegui acesso ao local durante toda a semana, e queria ter certeza que conseguiria investigar antes de falar com a senhora.

— Pois é… A minha audiência é na próxima semana, não imagina como estou ansiosa —Creio que tenho uma ideia, sim.

—Correto, er… Não se preocupe, ainda hoje irei passar tudo para a senhora, e aproveito para avisar seu advogado.

—Muito obrigada, Kenan. O que está fazendo é importante para mim, não sabe o quanto.

—Com certeza não tenho ideia, mas não se preocupe, tudo ficará bem, Carla. Pode contar comigo neste caso e para qualquer outro problema.

—Fico muito feliz de ouvir isso. Ah, Kenan, o acidente foi devastador… Deixar de andar me trouxe outra perspectiva sobre as coisas, eu tenho pensamentos tão negativos agora. Nunca mais vou enxergar as pessoas da mesma maneira; seus olhares e reações, o peso esmagador de se viver nessa cidade… Vivemos em um mundo muito cruel. As pessoas se esquecem disso.

— Eu quero dizer que vou fazer o possível para que essa crueldade toda seja um pouco menor, pode ter certeza. Bem… Preciso desligar, mas me chame durante a semana para qualquer coisa. Mesmo.

—  Certo, até logo então. Fique bem, Kenan.

—  Até, Senhora Carla. Não desista, vai dar tudo certo.

Ele não precisava desligar de fato, possuía tempo de sobra, mas temia que começasse a chorar e que Carla notasse. Kenan era muito emotivo, talvez demais para um detetive. Andou as quadras restantes e subiu até seu andar. Dentro do escritório já aproveitou para atualizar o arquivo de Carla e enviar um e-mail para seu advogado com os relatórios e evidências. Estava com uma pilha bagunçada de papéis de casos abertos e recém—fechados em cima de sua mesa. Revisou eles um a um, os braços em movimento quase constante e os olhos saltando de uma borda a outra das páginas. Uma sensação estranha e desconfortável passou por ele, como se algo faltasse, mas acabou por desistir de procurar sua origem. Praticamente todos os casos em aberto eram de Joanna, sua amiga, com quem dividia o escritório, que estava viajando e não voltaria por pelo menos mais dois meses. Kenan preferia não trabalhar nos casos dela em sua ausência, quando possível. Ela estava investigando um caso grande em outro estado, algum tipo de desabamento em massa de prédios que suspeitavam ser um ato criminoso elaborado, pelo que ela havia contado. Um dos casos abertos recentemente parecia ser interessante. Um rapaz da região havia desaparecido há alguns dias, depois de uma noite de festa da faculdade, e era tudo que sabia. Kenan gostava de escutar os detalhes dos clientes pessoalmente, então ligou para o pai do jovem, avisando que iria até sua casa, que ficava há algumas quadras dali. Saiu do prédio e andou de volta até a praça. Dessa vez notou uma multidão reunida e curiosa em uma das bordas dela, com a penumbra de um prédio incidindo por conta do Sol do meio de tarde. Decidiu não procurar saber o que era e seguir caminho.

Chegou à casa do Senhor Walter e tocou a campainha enquanto observava de relance as janelas da casa, de paredes velhas e com tinta gasta.

 —  Olá — Um senhor de meia idade baixo e careca apareceu à porta. Parecia desesperançoso e tentando esconder isso da forma mais desconfortável possível — Kenan, imagino?

 — Ah, oi, Walter — Kenan ficou espantado diante da expressão abalada do senhor. Ter um filho desaparecido mexe com a cabeça até do mais calmo dos homens — Li o caso que enviou à agência. Creio que Joanna deve ter explicado antes de viajar que eu cuidaria dele. 

 — Sim, sim, obrigado por ter vindo. Linda, minha esposa, está muito abatida, mas espero que nós dois possamos ajuda—lo com o que precisar. 

 — Sinto muito pelo que aconteceu, e quero dizer que pode contar comigo. Posso entrar para conversarmos?

 — Por favor, claro — O senhor abriu a porta de madeira, causando um leve rangido — Entre, vamos conversar na sala.

Kenan sentou—se no sofá, tentando parecer natural diante da mulher encolhida e com o rosto inchado pelo constante choro. Walter tentou quebrar o gelo.

 — Linda, este é Kenan, um detetive que contratei para ajudar no nosso caso.

 — Entendo — Sua voz era seca, rouca e sem vida, incompatível com a moça forte de quarenta e poucos anos que era — Obrigada por ter vindo.

 — Irei fazer tudo que estiver ao meu alcance, senhora. Vamos começar com os detalhes mais importantes. Falem sobre seu filho. Hábitos que tinha, lugares que frequentava. Preciso também saber que ações já tomaram para tentar encontra—lo.

 — Chris é um menino tranquilo — Walter pigarreou — Cursa artes cênicas na faculdade estadual e tem amigos ótimos. Costumava andar de skate com alguns deles na pista próxima ao valão.

 — Pelo menos era o que ele dizia fazer — Linda soltou, com certa raiva projetada na voz — A verdade é que ele podia muito bem estar andando com algum zé droguinha e nós nem saberíamos.

 — Linda, olha o que você está dizendo. Realmente quer pensar nessas coisas agora? Você conhece nosso filho de verdade?

 — C-calma — Kenan interviu — Quero que sejamos objetivos aqui. Se há evidências de que ele pudesse estar frequentando lugares suspeitos ou praticando atividades ilegais, eu preciso saber, mas atentem-se apenas aos fatos. Queremos encontrar seu filho. 

 — Me desculpe, eu… Eu só… — A careta peculiar de quem irá desabar em lágrimas se apossou do rosto de Linda.—Me desculpe, eu só não aguento perder ele. É o meu filho, meu menino. Quem poderia fazer mal a ele, e por quê? Walter está certo, ele não faria nada de errado, mas… Eu preciso de um tempo.

Walter andou com ela até o quarto e voltou rapidamente.

 —Bom, eu acho que deu para ter uma ideia do quanto estamos preocupados.

 — Sim, e vamos tentar resolver isso. Continue, por favor.

Walter contou tudo que achou pertinente sobre seu filho. Ele havia saído para ajudar a organizar a festa de fim de período da sua turma, que seria em um espaço próximo ao prédio onde estudava. Estava todo de preto, com uma calça rasgada, camisa de banda e um arco prendendo para trás seu grande cabelo encaracolado. No dia seguinte, não tendo visto o filho chegar em casa, conversaram com alguns amigos dele, que disseram que o rapaz havia terminado de montar os aparelhos de som pelo fim da tarde. Quando terminou, disse que voltaria para casa para se arrumar e buscar mais algumas coisas, mas foi a última vez que o viram. Os jovens estranharam que ele não apareceu na festa, mas não procuraram saber o motivo a fundo. Os pais dele ligaram para a polícia dois dias depois mas não adiantou muito.

 — Certo, é um bom começo. Chegaram a perguntar por ele na pista de skate ou em algum outro lugar?

 — Sim, mas não tivemos sucesso. Talvez você consiga descobrir algo indo lá, mas… Não sei.

 — É um começo. Algum outro detalhe sobre a rotina dele?

 — Ele fez curso de paisagismo na escola técnica e ainda fazia visitas de vez em quando para discutir projetos pessoais. Tentamos lá também e nada. Os professores dele elogiaram muito a criatividade que tinha, e disseram ser um aluno incrível, e deram falta dele. Eles estavam prestes a ligar para saber sobre ele quando os visitamos.

 — Também irei checar. Algo mais?

 — Receio que não, isso é tudo.

 — Ok, Walter. Vou começar com o que tenho e o mantenho informado — Ele deu um sorriso melancólico — Não perca as esperanças.

 — Não, ainda não. Ele está por aí, eu sei. Encontre ele, por favor.

Kenan resolveu começar a investigação no dia seguinte, já que estava ficando tarde. Saiu e fez o mesmo caminho de volta. Conforme caminhava pelas ruas desertas e com iluminações faltando, sentiu um mal estar muito forte e teve que parar e forçar os olhos a piscarem por um momento, se segurando em um poste. Começou a se sentir ansioso, mas não entendia o motivo daquilo, não estava pensando em nada particularmente perturbador ou estressante, e ainda assim seu coração parecia estar sendo vítima de um rolo compressor. Sua respiração palpitava e as mãos tremiam, e sequer sabia porquê. Colocou fones no ouvido, pôs uma música para tocar pelo celular e esperou sentado em um banco. Não era o tipo de ambiente em que era seguro ficar parado a essa hora, mas não tinha opção. Suava frio e não sentia disposição para mover um músculo. A cabeça começou a latejar e os olhos a doerem. Vasculhou sua mente e, em meio ao caos, só conseguiu pensar que tinha algo a ver com o caso de Chris, mas não fazia ideia do quê.

De repente, paz. Sentiu—se melhor instantaneamente, sem causa aparente. Da mesma forma como passou a ser dominado por um sentimento de desespero, voltou a ter a mente límpida e o peito leve. Isso foi o que o assustou mais, mas não tinha tempo para procurar a causa do mau estar. Se levantou e seguiu o rumo.

Passando pela praça estava impossível não notar que a multidão estava com cerca do triplo do tamanho que tinha mais cedo. Pessoas de todas as idades estavam tentando ver o que se passava. Apesar de tamanho contingente de curiosos, Kenan sentiu o impulso de ver a causa da comoção. Não tentou perguntar para alguém ou olhar de um ponto mais alto, apenas saiu empurrando e adentrando a multidão, com certo desespero. Quando chegou ao centro da Praça dos Espelhos reconheceu a causa da formação do conglomerado. Passou alguns minutos andando em volta do foco da atenção, iluminado por postes próximos, cada vez mais incrédulo do que via. A conclusão foi fatal. A senhora com quem esbarrou mais cedo não veria o seu neto nesta noite.

Akira podia sentir o cheiro de cigarro, a fumaça saindo suavemente através da abertura da fechadura. Se aproximou e, esperando pacientemente em seguida. O rosto de um homem devastado surgiu através da abertura, junto com uma nuvem cinza espessa. Ele estava falando no celular.

 — Certo, espero você. Não demora, por favor. Preciso de você. — Desligou a chamada e abanou a fumaça. — O que você quer?

 — Detetive Kenan Hernandes, imagino. 

O detetive acabado e encrustado de olheiras viu um homem um pouco mais baixo que si, trajando um uniforme policial e uma expressão séria, porém amigável. 

 — Desculpe, não estou aceitando casos.

 — Eu pareço um cliente? Olhe como estou vestido. Sabe porque estou aqui, senhor Kenan. Você foi visto no dia do surgimento do primeiro caso caminhando até a vítima e interagindo com ela.   Kenan abaixou os olhos e esfregou a testa, olhando para o policial em seguida.

 — Sim, esse era eu. Não sei como demoraram duas semanas para vir até mim. Quem é o senhor, aliás?

 — Também sou um detetive, mas a serviço da delegacia desse distrito. Akira Takahashi, prazer.

Akira estendeu a mão, a qual Kenan, hesitante, apertou. O detetive uniformizado fez uma pausa, esperando o homem colocar a cabeça no lugar, o que parecia que não iria acontecer tão cedo.

 —Sobre a demora, a realidade é que o incidente é sem precedentes, então nos complicamos para prosseguir com as investigações. Temos que evitar riscos. Bom, Kenan, vejo que não está lidando muito bem com os acontecimentos, como eu esperaria de qualquer um. Gostaria de ir a um local mais informal e então conversamos?

O homem olhou para trás, em volta de seu escritório. Reparou mais uma vez no quadro e viu os papeis exibindo pistas inúteis do caso de Chris, que se revelou uma das vítimas alguns dias antes.

 — Eu… Ah, foda—se. Conheço um bar que ainda abre por aqui. Vamos.

No caminho tomaram o cuidado de passar longe da praça, então tiveram que dar uma volta considerável. Mesmo assim podiam perceber a opressiva desolação que assombrava a região. Estavam no meio da noite e as poucas luzes acesas nas janelas e lojas fechadas denunciavam a relutância da maioria da população em permanecer por ali. Akira evitou falar, apenas seguiu o homem através das ruas tortas até chegarem no bar. Um lugar discreto, porém deselegante demais aos olhos de Akira, mas isso não importava. O que de fato o incomodava era que, distante poucas quadras, a praça era plenamente visível dali, e dava para discernir algumas das vítimas. Entraram e sentaram na bancada. Dentro do bar havia apenas o dono, um velho de aparência pouco expressiva. O ambiente era mal iluminado, mas deveria servir.

 — Kenan, conte sobre seu encontro com a senhora.

 — Figuras, é como estão chamando. Pelas poses que fazem, eu acho. Eu havia esbarrado com a senhora mais cedo aquele dia e , ah, obrigado— o dono do bar trouxe duas cervejas e um petisco—Bom, eu esbarrei nela e a machuquei por estar distraído. Enquanto me assegurava de que ela estava bem, a moça me contou sobre o aniversário do neto dela e que iria comprar um presente. Descobri depois que se chamava Walda.

 — Então achou que deveria pegar o presente de Walda e entregar pessoalmente.

 — Exato. Como o resto das pessoas, eu fiquei surpreso de início. Parecia algum truque, alguma brincadeira.

 — Mas não era.

 — Não… Não era. Era a Walda, de verdade, parada como uma estátua. Parecia estar esperando alguma coisa vir do céu e levá—la embora, os braços erguidos e o rosto contraído com olhos esbugalhados olhando para cima. E a bolsa dela ainda estava lá, pendurada no ombro, com a merda do videogame novo dentro. E ela tinha duas curvas macabras no rosto, com dentes no meio, que não dá para chamar de sorriso, por mais que eu tente. É um homem religioso, senhor Akira?

 — Não muito, apesar da minha origem tradicional. O senhor?

 — No sentido de cultuar entidades superiores e poderosas, não, mas não há explicação sensata para o que está acontecendo.

 — Estamos trabalhando nisso, já encontramos alguns padrões.— Akira deu um gole em sua cerveja e olhou para o balcão, observando de canto de olho o dono do bar, que estava lavando alguns pratos. Virou o rosto para Kenan novamente — Depois de Walda as… “Figuras” continuaram aparecendo. Alguns dias surgem mais de uma. Em dois deles não houveram nenhuma nova, mas o total já é de cerca de vinte pessoas. O oficial Brian Calisto, que foi instalar o sistema de câmeras para observação da praça, é uma delas. Você também tem relação com outra das vítimas, se estou correto.

—Vocês fizeram um bom trabalho, aparentemente. Imagino que esteja falando de Chris.

—Sim, o universitário.

—Certo. Bem, eu havia literalmente acabado de pegar o caso dele antes de me deparar com a Walda, já posicionada na praça. Me senti muito mal por um momento, logo após conversar com os pais dele, como se meu coração fosse parar de bater. Preocupado com o que aconteceu com Walda, comecei a procurar por Chris no dia seguinte, mas já era tarde demais.

—Ele é considerado a primeira vítima.

—Sim, foi encontrado esta semana em um dos bueiros da praça, segurando um cabo de áudio que provavelmente havia caído e… mordendo a ponta do cabo com força e sentado de cócoras.

—Isso bate com os relatórios que recebi. O raio desse efeito parece envolver o subterrâneo e o espaço aéreo da Praça.

 — E, a essa altura, são informações bem divulgadas. Os jornais não param de repetir.

 — Os surgimentos parecem acontecer dentro de uma faixa de horário bem limitada, a partir das 19 horas, com o mais tardio dele ocorrendo à meia noite.   Kenan virou os olhos e bocejou.

 — Você é pago pra repetir o que a televisão não para de dizer?

Tomou o resto da cerveja e pediu mais uma.

 — Tenho que ter certeza de que estamos na mesma página aqui. Aliás, já se perguntou por que as pessoas ainda continuam indo até a praça, mesmo sendo um risco tão grande?

 — As pessoas são curiosas, o que você esperava? Mas tem mesmo algo estranho nesse ponto.

 — Sim, Kenan. Adolescentes viajando para o exterior são curiosos. Crianças brincando no quintal são curiosas. Pessoas crescidas não andam na beira do inferno só porque querem ver se é quente de verdade.

 — É, não quando pode—se ter uma visão muito boa pela internet quando elas quiserem.

 — Exato. Trouxemos para a equipe um psicólogo e uma antropóloga que estudam comportamento coletivo. Ambos muito conceituados a respeito de histerias coletivas e movimentos de multidão repentinos. Analisamos as imagens durante todas as noites junto com eles. Parece que, pelo que vimos, as pessoas sabem que correm risco ao passar pela praça. Conseguimos notar isso por conversas, já que a maioria não vai sozinha. Inclusive, os microfones direcionais gravaram diálogos um tanto quanto perturbadores de gente indo visitar o local. Entretanto, julgando pelos rostos dos visitantes, nenhum deles parece sentir medo de verdade. E aí eles vão andando pela praça, normalmente em grupos, observando as Figuras como se fossem estátuas em um museu de arte moderna e, de repente, um deles simplesmente para. Sempre em alguma posição peculiar, como quando a vítima para e tenta amarrar os sapatos de um jeito estranho, ou escorrega em alguma parte do vidro. É aí que o resto do grupo percebe o que está acontecendo, quando cai a ficha. As reações são tristes de se ver. No caso de Brian, a escada que estava usando para prender as câmeras balançou em um momento e ele se desequilibrou. Mas não chegou a cair.

 — Então o que está dizendo é que as poses que as Figuras fazem antes de congelarem são propositais?

 — Não necessariamente propositais, mas parecem ser causadas por fatores comuns, sim. Normalmente estão olhando para cima, ou olhando o céu pelo reflexo de algum daqueles vidros. Não sei o que explicaria a posição que descreveu de Chris, mas certamente é uma exceção aos casos gerais.

Kenan também se perguntava o que teria feito Walda ficar naquela posição semelhante a uma cerimônia sobrenatural. A velha parecia bem fisicamente, mas totalmente desfigurada se pusessem sua personalidade em contraste com a situação. A essa altura já estava razoavelmente embriagado, enquanto Akira mostrava uma sobriedade implacável, tendo bebido tanto quanto ele. Abriu a carteira e jogou dinheiro na mesa.

 — Pode pagar a conta? Vou fumar ali fora.

Akira chamou o dono do bar, que estava na parte de trás do estabelecimento. De repente começou a ouvir estática de alguma televisão vindo de onde o senhor estava. Ele demorava a vir.

 — Senhor? Senhor, poderia conferir se a conta está certa? Aqui está o din — 

 — PARE! O QUE ESTÁ FAZENDO!?

Akira ouviu Kenan gritar do lado de fora. Não esperou virem recolher a conta. Ele estava correndo em direção à praça a uma velocidade descomunal. O oficial explodiu na mesma direção e, em pouco tempo, alcançou o homem. Presenciaram o horror juntos.

Ainda com as mãos agarrando as próprias calças caídas e com o membro estendido para fora, um homem com sorriso asqueroso estava suspenso no ar, como se estivesse dando pequenos saltos ao se afastar da vítima e houvesse falhado em cair após um deles. As lâmpadas dos postes da praça brilhavam no que parecia ser um tom avermelhado, destoante do alaranjado de sempre, refletindo no chão e nos pequenos muros, destacando a nova figura horrenda. Começou a chover enquanto Kenan, incrédulo, olhava a moça, violada e ainda assim impossivelmente neutra, parada como um monumento negligenciado, em uma posição de quem quer espirrar. Akira buscou palavras.

 — Ele… Ele estava…

 — Akira. Temos que— 

Seu celular tocou.

Joanna desceu da plataforma do aeroporto e passou pelos avisos com dizeres de “PERIGO”, apontando para evitar a praça, vendo multidões e multidões de pessoas inquietas esperando para embarcar. Foi até a saída e tentou chamar um carro pelo celular. Todos os motoristas se recusavam a ir até o destino. A caminhada era longa, mas não tinha outro jeito. Linhas de ônibus estavam inoperantes e táxis não rodavam mais por ali. Abriu o guarda—chuva e começou a caminhar. Ligou mais uma vez para Kenan.

 — Onde está?

 — Estamos indo de volta para o escritório.

 — Ok. Não consegui nenhum carro, então vou ter que ir andando. Devo chegar em meia hora.

 — Certo, vamos estar esperando.

A caminhada pelas ruas gradativamente mais desertas foi desconcertante. Ao longo de sua carreira resolveu vários casos nessa cidade e agora parecia que seria seu último. Percebeu algo ainda mais inquietante: alguns grupos estavam indo no sentido contrário aos que se dirigiam ao aeroporto, parecendo rumar à praça. Ao tentar chamar a atenção de alguém, não obtia resposta. Quando finalmente chegou ao escritório, estava exausta e ensopada. Seu guarda—chuva foi tão útil quanto uma agulha diante das proporções que o temporal havia tomado. Puxou seu chaveiro da mala, encontrou a chave certa e abriu a porta. Kenan estava sentado, virando a cabeça lentamente conforme assimilava o ranger da porta se abrindo. Seus olhos e os de Joanna se cruzaram. Pequenas poças se acumularam ao redor das pálpebras de Kenan, rastros molhados percorreram seu rosto em seguida. Joanna andou até ele e o abraçou, a cabeça dele pressionada contra sua barriga, lágrimas somando—se à água da chuva que permeava sua roupa. Por algum tempo não disseram nada, mas Joanna tinha o costume de ser pragmática.

 — Kenan, temos trabalho a fazer. Onde está o tal oficial?

O homem limpou o rosto com as costas do braço, olhou para ela e abriu um sorriso fechado, mas expressivo.

 — É ótimo te ver .

 Ela o olhou com seriedade

 — Kenan, onde está ele?

 — Foi buscar alguns equipamentos. Ele quer analisar as filmagens. Pode ser que descubramos algo novo dessa vez. Aconteceu bem diante dos nossos olhos, Joanna. Quando saímos aquele… aquele monstro ainda estava suspenso no ar, com o pau para fora e tentando levantar as calças.

 — Vamos levar ele à justiça. Mas para isso precisamos entender por que isso está acontecendo.

 — Acha que é possível? Aquele estuprador está ignorando a gravidade e sei lá quantas outras propriedades físicas. 

 — Temos que tentar.

 — E se não pudermos fazer nada?

 — Você é melhor que isso, Kenan.

Akira chegou, entrando lentamente pela porta aberta. Joanna abrandou o olhar, virando para ele.

 — Você deve ser o senhor Akira.

Ele apenas acenou com a cabeça, seu rosto ainda impactado. Entrou e abriu uma mala que estava carregando. Puxou um computador e o conectou à televisão. Joanna foi direto ao ponto.

 —Me mostre o que aconteceu.

 —T-tem certeza que é necessário? —Kenan disse

 —Eu preciso saber o que está se passando com detalhes.

Em pouco tempo o sistema de câmeras da praça estava acessível. Akira retrocedeu as imagens para o momento do ocorrido. Joanna quis vomitar ao assistir as cenas que se passaram e, assim que o vídeo terminou, pediu para voltar para às imagens ao vivo. Saiu para a varanda para respirar e seus colegas deixaram-na ter um momento para se recuperar. Pelo basculhante aberto conseguia ver os pequenos grupos andando em direção à Praça, todos andando no mesmo passo lento e constante. Kenan e Akira conferiam o mesmo através das câmeras. Os grupos gradativamente se dispersavam e os seus integrantes caminhavam por entre as Figuras, como se estivessem em um museu a céu aberto e as vítimas do fenômeno fossem esculturas. Joanna olhou para o céu e viu a lua grande e fosca, em um tom alaranjado no céu limpo da cidade, exibindo um brilho assustador. Logo abaixo, na Praça, a luz do luar criava, através dos reflexos de seus espelhos, uma cópia do cenário desconcertante. Alguns minutos depois, Kenan se juntou a ela.

 —Algo na Praça está atraindo essas pessoas.

  —É estranho mas… Acho que pode ser a lua —Apontou para um grupo passando logo abaixo —Olhe como suas cabeças se erguem quando a praça não está à vista. A maioria deles está olhando para a lua.    —Sim, agora que você comentou eu consigo notar. Mas o que isso tem a ver? Alguns casos ocorreram de dia.

 —Sim, mas os relatos que me transferiu não informavam múltiplos grupos caminhando em direção à praça. O que está acontecendo agora pode ser um mal sinal, algo como um ponto de transformação no fenômeno, talvez até mesmo a chegada de seu fim. A lua certamente parece fazer parte disso e, por consequência, a Praça. Os reflexos dela são muito perfeitos, cristalinos, quase reais. Imagino que tenha algum efeito potencializador —Virou os olhos para baixo e sinalizou para que Kenan fizesse o mesmo —A partir de agora não devemos olhar para ela.

Mas, ao se virarem, perceberam que era tarde. Akira estava em pé, com os olhos vidrados no satélite, a boca semi-aberta. Não disse nada e começou a caminhar lentamente em direção à porta. Kenan e Joanna se olharam e combinaram implicitamente o que deveria ser feito. Joanna correu para segurar Akira, enquanto Kenan trancava a porta. Akira ainda exibia movimentos lentos, mas fortes, e tentou pegar as chaves de Kenan, que se desviou. Seus olhos não piscavam, demonstrando um foco alienígena, frequentemente se virando para a lua e voltando para o ambiente. Akira se soltou e andou em direção à janela. Estava quase se jogando do parapeito quando Joanna e Kenan o agarraram pelos braços, sem saber exatamente o que ele estava fazendo, já que seus rostos miravam o chão, evitando a lua. O homem demonstrava a força de um rinoceronte, seus movimentos cada vez mais rápidos e imprevisíveis. Joanna conseguiu, por fim, aplicar-lhe um golpe que o desmaiou. Os dois soltaram Akira e se encontraram no chão, ofegantes. Recuperaram o fôlego e ergueram Akira, trancando-o no armário de arquivos. Os dois se sentaram no sofá, tentando colocar os pensamentos no lugar.

 —Merda, o que fazemos agora, Joanna?

 —Eu… Eu não sei. Como podemos bloquear a lua? —Esboçou uma risada nervosa e desconfortável. Seus olhos piscaram e soltou um bocejo —Preciso pensar em uma solução.

 —Você precisa dormir, deve estar exausta, com tudo que aconteceu.

Kenan se levantou e voltou a olhar as imagens.

 —Você está louco!? Kenan, essas pessoas correm perigo!

 —E nós também vamos estar, se descermos nessas condições —Virou o monitor para ela.

 —O que é isso? Ah, meu Deus!

Joanna viu grupos cada vez maiores se aproximando da Praça, verdadeiras multidões. O passo lento de antes havia sumido, agora caminhavam com rapidez. As pessoas que já estavam na praça cometiam atos atrozes, quase indescritíveis. Parecia um grande ritual canibalístico e libidinoso, e as Figuras permaneciam não afetadas fisicamente, como espectadores inadvertidos de um show de horrores. Alguns membros do ritual tornavam-se Figuras em um piscar de olhos, agora a uma taxa assustadoramente alta. Os grupos ainda longe da Praça comportavam-se normalmente, apesar da pressa. Aqueles que chegavam ao local em geral removiam as roupas por inteiro ou em boa parte e se juntavam ao ritual. Kenan estava sem palavras.

 —Não temos o que fazer, Joanna. O melhor é você descansar e agirmos pela manhã. Eu vou olhar as imagens novamente e tentar relacioná-las com o que observei nos últimos dias —Levantou-se e fechou a cortina da varanda.

 —Eu não vou deixar você trabalhar nisso sozinho.

 —Se você insiste, tudo bem.

Kenan pegou alguns documentos com todas as informações que havia coletado sobre o caso e a entregou.

 —Obrigado, vou passar por esses arquivos e aviso se descobrir algo.

 —Certo, vou voltar às imagens.

Joanna folheou os arquivos à luz de uma lamparina que estava no criado mudo ao lado do sofá. Após algumas páginas sentiu os olhos muito pesados, mas se forçou a continuar lendo. Olhava para Kenan, que estava focado nas imagens, trocando as câmeras constantemente, mas seus olhares se cruzaram algumas vezes. Sentia uma leve dor de cabeça e os bocejos ficavam cada vez mais frequêntes, até que caiu no sono por volta da metade dos documentos.

Teve um sonho sobre quando conheceu Kenan, mas totalmente deturpado. Andava pelos corredores da faculdade, que pareciam não ter fim. No chão de azulejo corria névoa espessa, mas ainda conseguiu ver os livros que Kenan deixou cair no chão enquanto andava apressadamente. Se abaixou para pegar os livros e o chamou, mas quando se virou para ela demonstrou um rosto desfigurado, como se sentisse uma dor aguda. Joanna congelou enquanto o falso Kenan andava lentamente em sua direção. No momento em que ele pegava os livros de sua mão, ouviu batidas nas portas da faculdade, fortes e espaçadas uma da outra. O rapaz pegou os livros e disparou pelo corredor, enquanto as batidas paravam. Ao longe no corredor viu uma sombra na direção para a qual a cópia de seu colega corria. A neblina foi ficando cada vez mais densa e alta, até cobrir toda sua visão. Acordou de madrugada, com um suor já frio entranhado em suas roupas.

Vislumbrou um caos no escritório: o armário havia arrombado, os documentos da mesa estavam todos espalhados e alguns estavam ensanguentados por uma mancha de sangue que partia da borda da mesa. Um olhar rápido no monitor demonstrou que a carnificina da Praça já havia se assentado. A câmera selecionada estava oposta à rua do escritório, e nela conseguia ver duas pessoas. Atravessou a cortina e olhou para baixo, vendo Akira caminhando a passos largos para Praça, com Kenan mancando em desespero atrás dele, com um dos braços segurando uma costela que estava visivelmente sangrando. Joanna desceu correndo as escadas e foi atrás deles. Nenhum grupo andante estava à vista na rua, apenas os dois homens apressados. Correu como nunca atrás dele, até que uma gota de um líquido ardente tocou o seu braço e soltou um pequeno grito, depois outra gota, e outra. Cada vez que sua pele era atingida sentia queimaduras dolorosas, e foi obrigada a se abrigar debaixo da entrada de algum estabelecimento. A chuva de ácido ficava cada vez mais intensa, e conseguia ver ao longe ambos os homens, ouvindo gritos de um deles, mas o barulho da chuva não a permitia discernir qual.

Entrou no lugar, que parecia ser um bar. Havia um balcão com dinheiro em cima e algumas garrafas de cerveja vazias. O som da chuva já estava abafado, sobrando apenas uma estática ensurdecedora. Seguiu o som até a parte de trás do bar, onde encontrou um senhor sentado olhando fixamente para uma televisão sem sinal. Os vários pontos pretos e brancos no monitor foram se tornando uma imagem clara, apesar do som não ir embora. Conseguia ver o terror: Akira caminhando lentamente em direção ao centro da praça, com Kenan rastejando logo atrás, queimados e distorcidos pela chuva. O telespectador levantou devagar um dos braços e Joanna viu sua mão apontando para a televisão e tremendo, até que se estacionou na direção de Kenan. De repente, o rastejar de Kenan cessou. Ele estava com um dos braços erguidos tentando chamar Akira, e assim permaneceu. Akira continuava caminhando por entre os corpos queimados e deitados, alguns deles ainda se movendo. Agora já havia muitas Figuras, incontáveis, grande parte formada por participantes do ritual que Joanna havia visto mais cedo. A praça brilhava em rubro, o reflexo da lua presente em cada superfície do local e nos olhos das vítimas.

Joanna gritou desesperadamente e arremessou uma garrafa na televisão. O senhor abaixou o braço se virou na cadeira. Seus olhos eram vermelhos e sua expressão era de felicidade. Com um sorriso impossível, começou a bater palmas, cada vez mais alto, até que ele mesmo congelou. Joanna saiu correndo do bar, tropeçando na entrada. Aparou a queda com as mãos. A chuva já havia parado, mas uma pequena poça estava presente, queimando a palma de suas mão e seus dedos e corroendo sua calça nos joelhos. Olhou para o alto como por instinto e viu a lua. Ela estava majestosa, um tom de vermelho que nunca havia visto, como um grande olho pairando nos céus. Levantou-se e começou a andar em direção à Praça: Queria ver o espetáculo de perto.